domingo, 5 de abril de 2009

Um antropóloga neo-rural e seu galinheiro


Fico me lembrando das noções que a Zezé (Maria José Carneiro da Cunha, minha doce orientadora de doutorado) nos passava sobre os neo-rurais... somos uma nova categoria de gente urbana que ocupa os sítios das serras fluminenses com nosso charme culto e refinamento dos que abandonam a urbe em busca de qualidade de vida, com nossas chiquérrimas aposentadorias ou orientações do Sebrae para abrirmos pousadas... muitas vezes cagando regras aos nativos (me lembro dos surfistas de Saquarema apelidando-os de "minhocas da terra"), comprando suas terras a preço de banana e ensinado-os tudo o que precisam saber sobre o meio-ambiente, importando novas regulações, condenando práticas tradicionais do manejo da terra, da água, do mar... É claro que não é bem assim que a mestrinha colocava, mas... haja conflito nessa paz ue todos buscam!

Podemos usar a imaginação, aumentando o quandro com uma lente invisível e onipotente que se inicia nas terras fluminenses, se afastando cada vez mais, e observando esse movimento de ocupação dos espaços contíguos às cidades por pessoas que - de tão inseridas na modernidade - viram uma espécie de pioneiras de um novo ciclo: se afastam de suas mazelas, carregando consigo todo o instrumental ultra-moderno da conexão em rede, do acesso à informação, às instituições, à rede de contatos... novos condomínios surgem, novos enclaves industriais em meio ao campo, Paulíneas em toda a parte... se conectam em rede.

Então, eu sou uma neo-rual como tantas outras. Só que em vez de estar nas serras de Teresópolis ou de Miguel Pereira, estou no Maranhão, nas proximidades do Piauí. Com toda a dificuldade que tive até o momento para instalar a antena do celular na Buriti Doce, já possuo uma antena parabólica que me liga aos canais da Sat, já estou empregada pela metade na Universidade Federal do Piauí, com uma bolsa do CNPq... Estou trazendo um instrumental novo, noções de manejo diferentes para o torrão que adquiri por aqui. E meu Mestre, o velho e já muito amigo Seu Anísio, se transforma em um contraponto fantástico, uma espécie de termômetro do tamanho da minha intromissão, a cada vez que este reage contra essas intromissões...

O galinheiro é apenas uma delas. Afinal, Seu Anisio sempre adorou criar galinhas e suas galinhas animam e enfeitam o terreiro e a vida do "meu velho" que está acostumado a viver "todo-só", como dizem os franceses, naquela lonjura. O velho Anísio reclamou, esperneou, ameaçou até ir embora, na medida em que começamos a implementar um galinheiro "racional" de galinhas caipiras. Afinal, como uma propriedade orgânica, eu preciso ter meu próprio cocô disponível e parar de importar palha de arroz misturada com urina e com esterco dos postos onde os caminhões efetuam lavagens...

Assim, depois de abrir as roças do ano passado, com todo aquele sacrifício, pus os homens a limpar uma velha tapera (casa abandonada) ao lado da minha quinta (casa com árvores). Erguemos, sem muita dificuldade, o galinheiro de acordo com as prescrições do simpático Dr Firmino da Embrapa, que já apresentei em outra postagem... Funciona, mas como tudo o mais que acontece na fazenda do mundo real: escapa aos cálculos racionalmente dispostos no papel e só se concretiza com muita persistência e um bocado de sinergia. Isso significa que estamos faturando um pouco mais do que gastamos, já que não tivemos um número grande de matrizes logo no início, não tivemos dinheiro para comprar nossa própria incubadeira até agora, e ainda estamos perdendo MUITOS pintos dos que compramos prontos enquanto não temos uma quantidade suficiente dos nossos...

Para o seu Anísio, criar galinhas trancadas daquele jeito não é nada ecológico. O bonito mesmo é criar solto no terreiro para que elas tenham sua vida em família... Nós colocamos cada idade em seu respectivo pedaço do galinheiro para que comam a ração adequada e cresçam, em 4 meses, o que no terreiro levariam 1 ano para crescer. Mas são mais ecológicas dos que as galinhas de granja, visto que as granjas convencionais oferecem ração com hormônios para que cresçam em 5 ou 6 semanas o que as minhas levam 4 meses... As nossas comem a ração que preparamos in loco, e que apesar de incorporar calcário (e fósforo esse elemento mágico da natureza), são feitas com milho que plantamos, folhas de macaxeira que plantamos, e agora até a soja que plantamos exclusivamente para esse fim em nosso roçado super agroecológico... as da granja vivem presas desde que nascem, com luzes acesas a noite toda para que comam a noite toda, engordando rápido. As nossas vivem presas, mas tem acesso aos piquetes, podendo passear e ciscar o dia inteiro. Assim, elas são semi-presas. São semi-caipiras.

Seu Anísio quase vai embora por causa desse galinheiro. Eu falei que ele continuasse a criar as dele fora, que seria tudo igual. Ele inventou uma alergia à palha de arroz de dentro do galinheiro, ficou brabo porque eu vivo contando a s galinhas como se não confiasse nele, como se desconfiasse da proverbial honestidade e palavra dos encarregados tradicionais das fazendas nordestinas. Ah, seu Anísio, sábio velho. Eu precisando muuuiiiiitto desse dinheiro. O galinheiro sendo a primeira coisa que dá alguma renda e não apenas despesa, nessa etapa que estamos atravessando...

E eu trago os ovos que as matrizes começaram a pôr em janeiro, levo para a Embrapa toda terça feira, e colocamos na incubadeira que Firmino me empresta graciosamente... os pintinhos levam exatos 21 dias para nascer, e os capotes (galinhas da angola) levam 28 dias. Quando nasce uma leva, trago em uma caixa de papelão, onde adaptamos uma lâmpada de 40 watts, água e ração, onde aquele grupo de pintinhos sobrevive sua primeira semaninha de vida, se aconchegando em torno do calor da luzinha. Os lindinhos, fofinhos, amarelinhos, logo começam a demonstrar a diferenciação, na medida em que algum machinho passa a bater nos outros para mostrar quem manda. Bate gratuitamente. Bate para se impôr. Quando se mistura capotinho com pintinho então, é de se admirar a persistência com a qual o capotinho bica os pezinhos dos outros, obsessivo, mostrando quem domina a comida e a área.

Daí colocamos esses pintinhos no compartimento dos pequeninhos. E daí descubro que as galinhas formam comunidades políticas, sem sombra de dúvida. Depois que esse grupo está formado, quando tento incorporar novos elementos a ele, isso não acontece impunemente. O pobre apanha. E se estiver aleijado e doente, apanha mais ainda! Quando jogamos um pedacinho de barbante, começam uma brincadeira louca, competindo por aquela coisa nova e estranha de um lado para o outro, afoitos e aflitos, heróicos e atléticos. Competem entre si, bastante.

Aos 30 dias, são colocados em um novo compartimento, com um piquete maior onde pegam sol e ciscam a terra. Já estão rapazinhos e mocinhas. Mas qual o quê! Pergunte se eles se conformam com a mudança? Ficam tentando retornar ao compartimento anterior porque formam uma identidade com aquele lugar, um senso de pertencimento... Nesse novo espaço onde ficam 30 dias também, comem uma ração com um pouco mais de óleo para crescer e engordar mais.

No final desses segundos 30 dias, são adolescentes, prontos para integrarem a área central. Lá, coitadas das galinhas jovens! As mais velhas se enciumam, os galos só querem saber da carne fresca! Nessa área comum onde se reúnem várias gerações, o senso de pertença se dilui um pouco, mas a identidade forte que elas tem com o grupo faz com que os novatos sofram! (E eu que pensava que era fácil uma pessoa da minha idade sair por aí, mudando de casa e de cidade, de região... quando a gente tem 20 anos, a gente até se integra. Mas se integrar em uma comunidade não é algo simples. A gente tem toda uma história, a gente é as relaçòes que cria e desenvolve ao longo de toda uma vida! Existirá algo pior que o degredo? Olhando pras minhas galinhas eu percebo como é ruim estar fora do grupo, da tribo, da comunidade. Essa onda de sair cosmopolitando pelo mundo é coisa da alta modernidade). As galinhas sentem mais falta do grupo que do lugar... Mas muitas ficam tentando retornar ao compartimento anterior, e conseguem voar por cima das cercas que fizemos... Não tem muito risco de as confundir porque quando uma voa sem querer para a outra área, fica andando de um lado pro outro no pé da cerca, tentando retornar à sua tchurma. Mesmo quando escapam pra fora do galinheiro, no terreiro onde existe o Éden do seu Anísio para as galinhas, elas ficam beirando a cerca, tentando voltar pra casa. Elas sabem onde pertencem (ó termo caro aos antropólogos!). Quando fogem do novo compartimento e conseguem voltar ao compartimento anterior, ao chegarem lá, não encontram a sua comunidade, mas sim outros pintinho bem mais jovens que passam a dominar.

Ah, as galinhas que por algum motivo não crescem, ou capengam... Como sofrem! Todo o amor que seu Anísio tem pelos bichos aleijados não é acompanhado pela ferocidade dos fortes no galinheiro.

Eu tenho dificuldade em convencer ao Max, menino que trabalha comigo na produtora e na fazenda de quebra, que os galos tem que ir embora rápido, pois mais de 1 macho no terreiro é briga na certa! Ele parece vê-los como propagadores da qualidade da raça, uma espécie de tesouro. Mas geralmente os frangos vão pra panela logo. Uma outra alternativa dos locais é escolher o melhor galo, e capar os outros. Os capados crescem fortes e gordos, atingem um ótimo preço no mercado. Mas se não forem capados, a vida no terreiro vira um inferno, a hostilidade é constante, os machos se machucam. Lá fora, no terreiro, quando há excessos, temos galos invadindo outras praias, como as das capotas e peruas! Daí a briga é feia mesmo.

Na área das poedeiras, as bichinhas precisam pôr seus ovos para que eu os leve para a incubadeira da Embrapa. O normal é que elas ponham ovos durante 21 dias e depois ficam chocas, sentando sobre eles por 28 dias. Se tiramos os ovos, elas passam uma semana sem pôr, mas depois voltam a pôr normalmente e assim, temos mais ovos, muitos ovos, um rendimento muito maior, mais produtividade. Mas poxa vida, dei uma vacilada no manejo racional porque quis ver se elas mesmo chocavam, já que ter que ir e vir levando ovos para Embrapa toda semana, correndo para chegar antes de fecharem e tudo mais era um transtorno. Além do mais, é mais natural chocar os ovos dessa forma, certo? Assim resolvi experimentar não levar os ovos para a Embrapa por um tempo. O que aconteceu? Passaram a brigar entre si pelo direito de sentar sobre os ovos, e quando nasce um pintinho ou dois, ficam disputando a maternidade deles e esquecem dos outros ovos!

O problema NÃO é do sistema que o Firmino criou, mas do fato que ainda não encontramos o caminho para manejar essa maternidade. Agora que existem alguns pintos "família"no meio das matrizes, eu estou com o coração aflito em pensar em separar os pintinho que tem mãe para coloca-los junto aos que vieram da chocadeira! Mas se não fizer isso elas não voltam a pôr, pôr, pôr sem parar, incessantemente, produtivamente (do jeito que precisamos que ponham para pagar as contas)... Assim, decidimos voltar à rotina de transportar ovos para a Embrapa toda semana e levar pintinhos de volta para a fazenda.

E na hora de apurar? Apurar, na linguagem do seu Anísio, é vender o fruto do nosso esforço. Entro na área cercada do galinheiro, Senhora de tudo, com alguns homens. As galinhas, inicialmente pensam que estou indo jogar as folhas verdes de milhos que plantamos especialmente para elas, nos 20 pneus que guardamos em uma área especial. Se aproximam vorazes. Mas agora eu sou a Senhora da Morte... (riso de bruxa tenebroso riscando o ar da noite gélida)... Cercamos as galinhas e as tangemos para dentro do galinheiro. Daí começamos a escolher as mais pesadas, que são levadas para a cozinha do Seu Anísio onde um panelão de água já esquenta no fogão de lenha e... créu, Socorro lhes passa a faca... Recentemente tenho me poupado de fazer o papel da Senhora da morte, e peço ao Max que escolha as galinhas para mim. Não quero entrar no galinheiro para escolher quem vai morrer! Elas confiam em mim desde novinhas!

Nos últimos tempos tenho estado tão dura, que mesmo sabendo que estou gastando bastante de ração (o nosso milho do ano passado acabou e estou tendo que comprar), trago 10 galinhas por semana para vender em Teresina, e esse é o dinheiro da semana. É do que como e às vezes dá pra pagar alguma conta pequena também! (Me lembro de minha mãe balançando a cabeça em reprovação... "estudou tanto!").

Em verdade , em verdade vos digo. Com todo esse aprendizado que essa neo-rural está adquirindo com essas penosas criaturas, vejo o quanto Seu Anísio está certo em condenar a modernidade com a qual estou aplicando os princípios de racionalidade ao ciclo da vida das galinhas caipiras. Mas não só preciso que a fazenda dê algum dinheiro, como ao vender essas galinhas e formar a nossa primeira freguesia, sinto que o trabalho é honesto, muito honesto. Mesmo com o sacrifício das bichinhas, sinto que estou produzindo comida com honestidade. Mais do que qualquer outra atividade burocrática, pedagógica ou artística que eu desenvolvo.
É uma alegria vender duas galinhas para a cabeleireira aqui do lado ou pra colega antropóloga! Uma alegria formar minha freguesia aqui na vizinhança da produtora em Teresina. Salve o amor que o povo Teresinense tem pela galinha caipira no domingo! Salve, Salve!

sábado, 8 de novembro de 2008





A seca, o vento, o fogo, a cajuína

Nestes meses terríveis de seca, o vento bate forte na região... Já tinha ouvido algumas lindas músicas de Roraima em homenagem ao vento que varre a cidade de Teresina, e já tinha me encantado com a ventania incessante nos apartamentos altos do bairro da ilhotas. O que mainda resta de "estrutural-funcionalista" nessa mente velha já tinha até começado a buscar alguma ordem dentro do sistema ecológico, alguma sutil e sublime sabedoria que refresca a alma do homem do sertão justo-quando-ele-mais-precisa...

Mas pra falar a verdade, no ano passado, quando morava sozinha com seu Anísio na Buriti Doce, percebi o vento como uma força da natureza tão presente e terrível como o mar de Saquarema em minha meninice. Eu olhava, através da janela do carro em minhas constantes viagens para dar aulas em Caxias, para aquele chão tórrido das áreas devastadas ao longo da estrada, e me lembrava das imagens feias da região no Google maps... terra nua, tudo torrado, pela prática das queimadas locais. Tudo queimado, nu, incinerado como um cinzeiro velho.

E o vento? O sol esturrica o chão quente que desloca o ar para cima. Eolo se inflama com aquele calor todo, se infla, estoura com a pressão que acumula. Aponta de volta para a terra e para os míseros e mínimos homens a produzir tanta quentura, a lutar para apagar o fogo das roças vizinhas que se espalha bandido pela mata que tentamos preservar. Aponta e sopra de volta com força, arrastando as labaredas por entre os galhos finos e esquálidos, castigando as plantas que "hibernam", vegetando com o mínimo de energia gasta possível, a espera da primeira gota de chuva que beberão sequiosas... O fogo resseca mais ainda o solo esturricado pelo sol.

O vento, nessa época do ano, é o general das forças inimigas daqueles que lutam contra os incêndios fujões. Na queimada bandida que levamos 5 dias para apagar na Buriti Doce em setembro de 2007, era com o vento que os homens pelejavam. Apagavam as chamas, e o vento as reaviva, impiedoso. Não adiantava lutar contra ele das 10 às 16 horas do dia. Nessas horas, a terra esturricada pelo sol, atiçava o vento, que atiçava as labaredas do fogo inimigo.

Apenas às 4 da tarde era que ele parecia se amenizar, e os homens - meus empregados e voluntários vizinhos que largavam seus afazeres por essa hora do dia para virem, silenciosos, colaborar conosco - conseguiam abafar as chamas com grandes folhas de babaçu. Trabalhavam calados, em duplas. O velho Anísio, grande guerreiro, orientando-os, mandando algumas duplas atacarem por um lado enquanto outras cercavam aquele foco de incêndio pelo outro lado. Em algumas situações, até acendiam um contra-fogo que era sugado pelas labaredas maiores e atraído em sua direção justamente por essa força do vácuo que o fogo cria na medida em que o calor se desloca para cima. As chamas do contrafogo correndo na direção do incêndio principal, dava cabo da vegetação no percurso que alimentaria o fogo principal, estrangulando-o com esperteza.

Vento, diga por favor... aonde se escondeu o me amor...



Eu chorei muito. Aliás, desde que vim apra essa terra - ou até antes, quando comecei a me envolver com o Piauí - 'o que mais tenho feito. Virei uma chorona! Mas chorei muito ao ver esse incêndio de cinco dias lamber a área onde havíamos plantado tantos cedros, ipês, angicos... Foram dois anos e meio plantando árvores, para um babaca que arrenda as terras vizinhas às minhas para colocar o gado de terceiros pôr fogo para "renovar a pastagem". Não dá nem para começar a avaliar o prejuízo. Muitas das árvores sobreviveram, mas nunca saberemos quantas morrerão. Sei exatamente quantas foram plantadas naquel área... mais de 4 mil!

Subi na igrejinha em cima do morro, e de lá via a fumaça. Confesso que chorei, e muuuuuito. Nesse momento eu pensei na dureza que tem sido esse afastamento de todos a quem amo tanto, meus filhos, netos, mãe doente, avó velhinha... Essa sensação de estar sendo esnobada pelas pessoas que conhecia em Teresina e que eram tão hospitaleiras antes de eu me mudar pra cá! A pele que se resseca e enruga tão ligeiro nesse clima. Foi duro encarar esse incêndio.

Depois um aluno meu da faculdade de istória em Caxias, policial, veio com um companheiro investigar o crime. Fomos visitar alguns caçadores e criadores vizinhos. Eu morando sozinha na Buriti Doce, dormindo só à noite, e tendo que peitar esses cabras machos. Tudo muito educadinho, gentil, delicadinha. Mas avisando que ia avaliar o tamanho do meu prejuízo e que se acontecesse de novo ia partir pra processo e tudo o mais.

Enfim, isso foi ano passado. Agora, os cajus estão lindos, pelo Piauí todo. Ganhamos um edital para estudar a cajuína, e como o contrato foi fechado em plena safra, tive que sair desabalada, filmando enquanto ainda havia cajuína sendo feita. Foi um mês de trabalho intenso, e muitas descobertas da beleza do capricho cristalino da alma cuidadosa dos piauienses... Bem bacana... só que o tempo que eu tinha para contar essa história, gastei ao telefone com minha filhota agora! Vai ter que ficar para depois.

domingo, 5 de outubro de 2008

BIOCHAR - ENFIM CHEGOU A HORA

O ritmo do blog é lento... uma vez por mês! mas vamos tentar manter ao menos isso! Afinal, estou em uma das fases mais ativas (ainda) dos últimos tempos, com o início das atividades na federal do Piauí e com a pesquisa sobre a cajuína que se iniciou esta semana, para o IPHAN! Além disso, estive em Axixá, no Maranhão, para concluir a compra de 3,6 toneladas de óleo de andiroba para ser vendido para a Aveda, nos EUA. Mais uma vez foi um sucesso. A mulherada em Axixá está animada, e têm conseguido diminuir a depredaçào das matas de andiroba na região. Mas voltando à fazenda...

Durante o mês de outubro, estaremos preparando um experimento com a introução de biochar ao solo. O que é o Biochar? É carvão vegetal usado como insumo agrícola. O estudo do biochar nasceu da observaçào da Terra-Preta-de-Índio, identificada em diversos pontos da Amazônia brasileira nas decadas de 20 e 30. A TP consiste em uma mistura de resíduos de carvão, restos de peixe e pedaços cerâmica antigos, indicando ter sido o loco de aldeias abandonadas. Essa Terra Preta apresenta qualidades impressionantes de fertilidade e troca catiônica, chegado a se expandir 1 centimetro por ano. Isso significa que uma camada de 20m cms de TP retirada de um determindo lugar, se recompões em 20 anos!

Descobri uma corrente de estudiosos do solo na internet, que se organizam em rede para promover sua utlização tanto para o melhoramento do solo quanto como uma espécie de panacéia geral para os problemas de mudança climática... Existem diferentes listas de discussão como a IBI (um grupo um tanto excessivamente loquaz... mas muito boa informaçào surge daí). Os principais pesquisadores acadêmicos são Johannes Lehmann (Cornell) e Cristopher Steiner (alemão mas acredioto que em uma universidade holandesa?). Os livros publicados o ano passado e anterior sào caríssimos (US$ 150,00), mas muito bem feitos.

O Dr Lehamnn tem mais um livro no forno, pronto para ser publicado, e me pediu uma pequena colaboração para descrever o método de "queimada de toco vivo" que utilizamos, e essa colaboração resultará em um box neste novo livro.

Quando estavamos nos preparando para abrir uma área de 15 hectares para o plantio do urucum, meu técnico sugeiru que usássemos o fogo. Eu reagi, pois isso feria completmente meus preceitos agro-ecológicos e inclusive, os padrões de certificaçào do IBD. Mas Ronaldo insistiu bastante e eu acabei por prestar atenção e finalmente por concordar com o experimento. Uma área de aproximadamente 9 hectares foi aberta desta forma, enquanto7 hectares foram derrubados mas não queimados. Convidamos lideranças locais de assentamentos e vizinhos para assistir ao trabalho para replicar a tecnologia. Uma equipe da Brigada do Fogo do IBAMA acompanhou os trabalhos desde a etapa do planejamento. Essas reuniões de planejamento ajudaram a determinar medidas de segurança que previnissem o fogo de se espalhar para outras áreas: queimar apenas a partir das 4 horas; queimar por etapas menores, todas aceiradas individualmente; nunca queimar sozinhos, mas sempre em grupo; contar com o equipamento de abafar o fogo usado pelo IBAMA (abafadores com largas pás de borracha na ponta).

Resumidamente, ao invés de aceirar (limpar um cordão de segurnça no entorno da área) e queimar apenas, nos aceiramos, depois escolhemos as principais árvores que queríamos manter, e ao efetuar a derrubada, permitimos um broto em cada uma destas, aceirando em seu entorno para protege-la do fogo. Além disso (aí é que está a maior diferença), retiramos toda a madeira que poderia ser utilizada posteriormente em pequenas construções rurais, e tamém retiramos toda a madeira que poderia ser usada para a preparaçào de carvão. Isso foi um processo caro que não é facilmente replicado pelos agricultores familiares da região pois envolve um custo inicial em diárias maior. No entanto, conseguimos demonstrar que - a preços locais - o carvão produzido teria pago o valor gasto nessas diárias extras, tranquilamente, e superado-o se tivessemos vendido fora da época das queimadas, obtendo um preço maior. Assim, ao invés de slash-and-burn, a operação se trasnformou em slash-and-char. Eu acabei com uma quantidade de uns 700 msacos de carvão vegetal estocados que, a princípio, pensei que vederia para me ajudar a minimizar os custos da operação.

Os trabalhadores tradicionais (haviam 4 famílias parceiras nesta terra, fazendo seus próprios roçados de milho, arroz e feijão, mas que cuidariam dos meus pés de urucum nas respectivas áreas plantadas por eles) criticaram nosso método, considerando-o muito dispendioso. Eles teriam queimado tudo e depois separado as amdeiras que poderiam ser aproveitadas para caeiras de carvão. Os dois contratados para formar as caeiras eram os mais críticos, torcendo o nariz para a novata aqui, tentando fazer a soma nos dedos... Mas como mantemos o controle contábil das diárias investidas, pudemos de fato mostrar que apenas com o dinheiro angariado com o carvão teríamos pago todo o serviço da broca. Para terminar de provar isso, pude mensurar uma área pequna que não tivemos tempo para limpar da forma planejada, que acabou envolvendo muitas diárias de coivara, um serviço que queima de resíduos posterior à queimada, que se mostrou bastante caro também.

Desta forma, o investimento no preparo do solo foi bem menor para mim, com a parceria com as quatro famílias (que se animaram bastante com o trabalho, tiveram uma boa safra e passaram por um processo de aprendizado) e a queimada controlada, mas houve alguns benefícios ambientais também. O fato de termos tirado tanta madeira da área, fez com que o fogo fosse bem menos lesivo à vida nativa do solo, para começar. As árvores preservadas rebrotarão com uma rapidez relativamente alta nas novas condições. Se eu tivesse usado um trator de esteira ou grade, por exemplo, teria revirado o solo de uma forma que acho menos "respeitosa", destruindo a frágil estrutura que existe. Teria, também, tido que utilizar insumos quimicos que não são aceitos pela certificação orgânica.

Agora, o pulo do gato foi a descoberta dessa linha de pesquisa do biochar. Enquanto eu "segurava" o carvão estocado, fui lendo sobre as vantagens da utilização do mesmo no solo. O carvão parece ser o ingrediente principal da Terra Preta de Índio, pois sua estrutura física altamente porosa proporciona uma "morada" para as multidões de fungos e bactérias que compões a vida nativa do solo. Se adicionado diretamente à tera, por exemplo, ele "convida" essa vida nativa a ocupar seus milhões de poros confortáveis e aconchegantes, e promove, incialmente, o efeito inverso pois "retira" os serezinhos da atividade de liberar sais minerais apra as plantas locais. Mas se adicionamos o carvào "junto"com altas doses de N como compostos, esterco, etc, já o aplicamos "carregado" e, portanto, pronto para promover o festejo dos bichinhos no solo.

Os experimentos efetuados entre o Dr Steiner, o Dr.Lehmann e nossos engenheiros da EMBRAPA de Manaus, registraram o estonteante aumento de produtividade de 880% por cento no sorgo que recebeu a adiçào do carvão JUNTO COM NPK. Nós, que não podemos utilizar este adubo químico em nossas terras orgânicas, estaremos adicionando um composto feito a partir de palha de arroz e esterco de gado, regado com urina de vaca; outros quadros experimentais receberam um pouco de fosfato natural de rocha, e estou agora fazendo uma tentativa de trazer cabeças de sardinha do litora de ICATU para cá para adicionar a alguns lotes experimentais.

Assim, nesta etapa, meus dois homens (tiv eque dispensar um bocado de gente recentemente por falta de grana!) terminam de fazer a cerca que falatava na fazenda, enquanto nós juntamos montes de estrume, palha de arroz, e carvão que está sendo pilado, para nos prepararmos para adicionar ao solo de nossa roça de toco, antes mesmo de roçar o mato que crescu durante a seca. estaremos efetuando o experimento em duas áreas diferentes: na "minha", uma área grande, de forma intuitiva. Na área "da embrapa", onde dois engenheiors estào promovendo um experimento específico, com um grande controle de amostras do solo etc.

domingo, 7 de setembro de 2008

O Galinheiro: Sistema Alternativo de Criação de Aves Caipira

Não tenho mantido a disciplina que me propus, para alimentar esse blog. Preciso melhorar isso. Mas tem sido tanto trabalho, que já me peguei repetindo inúmeras vezes o bordão de que "ser fazendeira envolve muita burocracia". Quando repito uma frase cinco ou seis vezes, paro para repensar um pouco, percebendo que algo maturou e que está na hora de evoluir à próxima etapa.

Mas a verdade é que outras novidades aconteceram. Saiu minha bolsa de pesquisa do CNPq, e isso me aproxima da UFPI, onde estarei dando aulas. Isso também envolve um bocado de burocracia, na fase atual, em que tenho que me desligar da UEMA onde dei aulas de antropologia no último ano e meio... Vai ser toda uma nova etapa na minha vida! Um passo mais próximo do objetivo que estabeleci para mim mesma há uns dez anos atrás, sentada à janela de minha querida comadre Cotinha, olhando para as belas copas outonais do Central Park em Nova Iorque: ser professora universitária "quando crescesse". Apesar do dinheiro ser bem pouco, nunca um novo emprego foi tão carinhosamente recebido por essa mulher aqui!

Mas voltando à fazenda: inauguramos nosso aviário. Construímos em uma área vizinha à minha casa, onde havia uma tapera (casa caída), sombreada por cajueiros e que já tinha um cercado. Foi um mês de trabalho de dois homens, seguindo o desenho do Firmino Barbosa, engenheiro da Embrapa Meio Norte, que tem desenvolvido esse modelo de criação racional de galinhas caipiras (SACAC: Sistema Alternativo de Criação de Aves Caipiras). Nesse sistema, tudo
e desenhado para o agricultor familiar, sem grandes despesas e utilizando o máximo de insumos locais. Merece um prêmio o Dr Firmino, que com o seu eterno bom-humor de Pernambucano radicado em Teresina gosta de ser chamado de "Firmino Galinha". Conheci-o pela televisão, e fui atrás. Ele prontamente se ofereceu para me orientar. Aliás, a Embrapa Meio Norte tem sido uma fonte maravilhosa de informação e assistência. Todos lá são simpáticos às minhas intenções agro-ecológicas.

O sistema de Firmino se propõe a fornecer frangos caipiras de 1,8 a 2 kg em 120 dias, em contraste com as granjas convencionais que fornecem frangos deste tamanho em 45 dias. Mas os frangos caipiras serão alimentados com rações produzidas quase que totalmente na área, sem os concentrados misteriosos e hormônios industrializados... e - espero - morrem menos por serem aves nativas, de raças mais resistentes. Aliás, foram quatro as raças cuidadosamente selecionadas por Firmino. Ele está me fornecendo a "Nordestina" (as outras são Teresina, Graúna Azul, e Bejeiro). Nós seremos criadores da Nordestina/Buriti Doce. Esta tem boa postura e crescimento. Por enquanto já recebemos 33 pintinho s e perdemos apenas unzinho... A idéia é ir pegando uns 20 por semana na Embrapa, até completar os quadros.

O aviário é construído de forma que possamos acomodar pintinhos de idades diferentes, cada qual com o seu recinto e um piquete próprio à suas idade. Desta forma, os pintinhos de 7 a 30 dias tem um piquetezinho de 1 metro quadrado, os de 30 a 60 dias ciscam em um piquete de uns 10 metros quadrados, os frangos de 60 a 120 dias têm uma área bem maior para ciscar, debaixo dos cajueiros e pegando sol, e as matrizes poedeiras e chocas com seus garbosos e valentes galos (um galo para cada 12 poedeiras) terão a sua área própria também. Mas todos ciscam, todos andam soltos de dia por estes piquetes que Firmino recomenda sejam trasnformados em pomares, embora tenham sua vida familiar profundamente alterada, vivendo longe das mães protetoras e acolhedoras...

Isso ao arrepio de Seu Anísio, que sempre amou a "criação", mas livre e solta pelo quintal. Temos tido que negociar carinhosamente com o meu querido velho. De inicio ele dizia que não iria cuidar do galinheiro de jeito nenhum (transpareceu, por trás da recusa, alguma experiência pretérita pela qual o patrão desconfiou de sua honestidade por conta da morte de frangos). Agora já está, como todos nós, apaixonado pelos bichinhos que, quando chegam, ficam durante alguns dias no "jacá berçário" em sua casa, antes de serem transferidos para o aviário.

Além disso, para não aborrecer ao meu mestre, as galinhas de terreiro continuam em torno das casas, a alegrar o dia. Não podemos imaginar o universo de Anísio sem suas aves no entorno da casa, sem as rotinas que o mantém tão saudável (acordar e chamar os bichinhos, alimentar, cuidar, conhecer um por um, se divertir com os casos lúdicos e políticos diários e peripécias nas relações entre perus e capotes). Ontem fiquei meio emocionada ao ver como nossa criação de terreiro tradicional prosperou, em comparação ao terrível ano passado (o ano que saturno fez quadratura com tudo que havia no meu mapa - tudo foi difícil, nem os pintos escaparam!). As raposas comiam tudo o que havia: pintos, capotes, peruzinhos.... Este ano temos 10 capotinhos andando juntos pelo terreiro, já rapazes, 4 peruzinhos já grandinhos , e todas as galinhas estão prosas andando pelo terreiro com seus pintinhos (um delas tirou quinze!).

Compramos uma forrageira e estou colecionando os elementos para fazermos nossa própria ração orgânica. O Firmino é um profundo estudioso dessa questão, e inclui elementos como folhas de mandioca e a torta do buriti em suas receitas. Essa será a parte mais interessante de todas, acho. Quero ser auto-suficiente nessa área!

Agora, não vamos nos esquecer de que um dos principais motivos para criar galinhas é a obtenção do estrume para alimentar nosso sistema agrícola, hein? A palha de arroz que fica no chão do galinheiro depois será adicionada, junto com o estrume, à mistura de carvão e composto que será adicionada ao plantio de abacaxi e urucum.

Escrevo sobre isso na próxima.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Por que o buriti? 2


O buriti sempre me impressionou, durante as longas viagens de canoa pela amazônia ou pelo interior do nordeste, pelo porte majestoso, pela altura, pelo colorido espantoso dos frutos... Mas também existe alguma coisa de íntima na forma como as folha secas se acumulam em torno do tronco, sob a copa viva: pendões antigos, tranqüilos... É como a majestade de uma mulher velha, que retem sua feminilidade, sua força de rainha... E também há a relação de proximidade e dependência com a água, elemento que forjou a minha identidade de menina... eu "era" a água, diante dos oceanos das praias cariocas, dos riachos e cachoeiras cristalinas e frias da mata atlântica do meu Estado... As nuvens carinhosas que abraçavam os cumes das montanhas rochosas da Serra dos Órgãos eram finas e meigas como a minha sensibilidade e a chuva torrencial eram as minhas emoções fortes. Eu "era" a água, enquanto descobria quem era nessa terra de meu Deus!!!

Enfim... a palmeira do buriti existe onde existe água: brejo e rios. Também é chamada de miriti, e se espalhava por todo o país. É impressionante como predomina como nome de lugares (toponímia) no mapa não só do nordeste, mas de todo o Brasil: Buriti dos Lopes, Buriti de Sangue, canto do Buriti, Buriti Grande, São João de Meriti, etc., etc. Na Amazônia, está presente em todo "Igarapé preto" pois suas raízes tingem de preto e de vermelho profundo as águas onde moram. E os entendidos da região sempre sabem que onde há águas escuras estas são mais frescas e mais limpas do que as águas barrentas do resto dos rios. A pergunta que faço hoje em dia é: será que o biriti existe onde há água, ou há água onde há o buriti? Será que seu sistema radicular também ajuda a proteger os manaciais de alguma forma especial?

Tive o privilégio de acompanhar uma equipe de biólogos em uma longa viagem pelo entorno dos lençóis maranhenses, e colhi diversas entrevistas que indicavam que os buritis foram manejados, plantados por famílias que habitavam a região desde a seca cearense de 1912... usaram este dado como indicador de datação de presença humana para garantir a permanência destas família na terra durante a demarcação do Parque Nacional dos Lençóis. Casinhas totalmente feitas de talos e palha dessa palmeira... Um artesanato tradicional belíssimo que o SEBRAE agora se empenha diligentemente em "modernizar", transformando em atividade comercial... Da forma como se fazem os laudos antropológicos, o testemunho, a história levantada através dos depoimentos, servem como prova. Mas seja a distribuição do Buriti por todo país antropogênica ou não, temos essa palmeira rainha por todos os grotões brasileiros...

Agora... esses frutos possuem uma camada fina de mesocarpo (polpa) que a população local raspa em agradáveis mutirões de muita conversa, nos meses de chuva... essa polpa possui o mais alto conteúdo de pró-vitamina A encontrado na natureza(18.339 microgramas de retinol por 100 gr de óleo). Também é muito rico em vitamina E, C, B1, B2 e PP antioxidantes, etc. Seus ácidos graxos tem alto teor de ácidos oleicos e insaturados, tocoferóis e carotenos que são responsáveis por sua cor avermelhada.

A indústria cosmética se interessa por este óleo. Eu fui vagarosamente criando uma rede de fornecedores de polpa no entorno da fazenda, e formamos um grupo que foi certificado como orgânico após diversas viagens à área pelos inspetores do Instituto Biodinâmico de Botucatu. Aos poucos, vou organizando o meu negócio para ver se consigo atingir a auto-sustentabilidade da propriedade. Por enquanto, ainda não deu!

vou pra fazenda!!!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Porque o Buriti????

Trabalhei durante catorze anos com a Aveda Corporation, fábrica de alguns dos melhores cosméticos do mundo, baseados em plantas, ecologicamente corretos... muito legal mesmo. Foi realmente a melhor experiência profissional que tive na minha vida. Viajei pela amazônia, sobrevoei as copas da floresta acreana... convivi com pajés, adquiri enorme respeito pelo povo Yawanawá... fiz grandes amigos, viagens internacionais... Foi muito bom. Pude ajudar muitas comunidades, abrir portas para muita gente, e exercer alguns dos meus talentos, tais como a energia que tenho pra fazer projetos andarem... Na realidade, a maioria dos talentos que tenho advém das coisas que aprendi fazendo cinema - disciplina, organização, planejamento - e da disposição que sempre tive para andar e apreciar o mato, as coisas da natureza, e as pessoas que vivem em contato direto com ela.

Esse meu trabalho envolvia tanto a procura de novos ingredientes para os produtos da empresa, quanto o estudo das dificuldades que as comunidades tinham em colocar estes produtos no mercado devido aos gargalos da produção em massa, industrializada, com todas as armadilhas que fazem com que os lucros fiquem na mão de intermediários, etc... Dessa forma, eu articulava comunidades com institutos de pesquisa e outras empresas, órgãos do governo, ONGs, etc.

Em 2001 a empresa foi vendida para uma multinacional, e eu passei a me reportar a uma americana ecologista cuja experiência se limitava à prefeitura de St. Paul em funções burocráticas. Essa moça, ou qualquer outra pessoa de nacionalidade americana, teria ficado muito famosa e rica na América se fizesse um trabalho parecido com o meu, em contato direto com as comunidades indígenas, etc. Isso gerou uma ciumeira danada, e eu confesso que não fui muito sábia: mesmo tendo ganho algumas vitórias iniciais, vivi até 2008 com uma pessoa sempre disposta a me derrubar na empresa. Uma boa lição essa: a única verdadeira vitória é aquela que acaba com o conflito... ganhar uma batalha não é vitória nenhuma...

Essa senhora ajudou a desestabilizar a liderança da tribo de índios para a qual eu trabalhava como forma de tentar "seqüestrar o nó da rede". Conseguiu substituir a liderança e eu me afastei de um projeto com a tribo indígena no qual eu trabalhei durante 10 anos. A mais difícil das minhas atribuições era ser uma espécie de bucha de canhão: por um lado evitar que a pressão política dos índios sobre a liderança forçasse as mesmas a utilizarem os recursos do projeto de forma diferente do que estava previsto pelas rubricas do projeto, ou seja, proteger o protejo. Por outro lado, quanto mais eu conhecia e aprendia sobre a tribo, mais percebia que haviam diferentes interesses em jogo dentro da aldeia, e havia opressão da elite sobre os mais pobres e fracos, e que o cacique tinha a difícil tarefa de equilibrar isso. Com a minha saída, a relação com a tribo ficou sem essa intermediação. O novo líder passou a fazer o que queria com os recursos e se transformou em uma espécie de déspota grotesco, dono da relação com a empresa americana, canalizando todos os recursos para o seu grupo... enfim. Essa outra longa história encontrará outra forma de expressão algum dia!

Levou 7 anos para que a moça conseguisse fazer com que a empresa me despedisse, e quando isso acabou acontecendo, ela, ironicamente, já se fora, despedida por ser meio conflituosa! Recebi uma espécia de aviso prévio de 4 anos, e me transformei, aos poucos, de consultora para fornecedora da empresa. Como eu sabia que havia uma demanda por óleo de buriti, procurei uma área onde pudesse produzir esse óleo. Cheguei a visitar áreas mais belas e charmosas como Barreirinhas, Parnaíba, etc. Mas acabei optando pela área que apresentava as facilidades administrativas: asfalto perto, proximidade com Teresina, etc.

Na verdade, a terra é que me encontrou. Eu vinha procurando tanto, tanto! Tinha viajado pelo interior do Piauí, procurado no litoral... De repente, um dia, vindo do trabalho com as quebradeiras de coco, passei pelo Brejinho e vi a placa de "vende-se". Estava com o Ronaldo, técnico agrícola da melhor qualidade, ligado ao Movimento, apesar de já ter estado na área com um amigo de Teresina. Mas foi com o Ronaldo que descobri o Buriti Doce, ou melhor, que o Buriti Doce me descobriu!
Caiu na minha cabeça... perfeita, com tudo o que eu queria: muito buriti, muita mata, e - eu nem sabia! - tinha também a capela abandonada em cima do morro!Acho, honestamente, que a terra foi me construindo de longe, malhando o ferro para ajustá-lo ao grito de ajuda que lançava, silenciosa, ao ar, enquanto um herdeiro bobo a abria aos lenhadores predatórios que devoravam tudo o que viam pela frente, para vender o metro cúbico de madeira a preço vil para olarias e padarias... Enfim, eu estou aqui! Com muitas saudades das florestas do Acre, mas aqui estou!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

a embalagem do arroz


Pra quem resolveu ser fazendeira porque detesta viver em um escritório, algumas notícias: Ser fazendeira envolve muiiiitttaaa burocracia! Estamos finalmente colocando o "bloco na rua", com nosso primeiro produto para a venda: as 5 toneladas de arroz integral! Olha como está ficando bonita a embalagem!

Enquanto meus amigos no Rio preparam a arte da embalagem, eu tive que correr atrás da classificação no Ministério de Agricultura (tipo, classe, subtipo, etc etc,) ler a legislação para saber quais as informações prtecisam ser incluídas, me registrar no GS1 para ter um código de barras... Isso depois de me registrar como produtora rural autônoma e passar por todo o processo de certificação orgânica.... Enfim... ter me mudado para Teresina onde moro em um loftzinho com banda larga e impressora 3 em 1, onde o celular pega, onde existem bancos... foi quase uma exigência da minha nova vida de fazendeira!

(Estou até gostando bastante. Os 10 meses que fiquei sozinha com o Seu Anísio na fazenda "deram". Mesmo sentindo a falta de estar mais próxima dos trabalhos, cansei de matar cobras e escorpiões sozinha a noite... e de atrasar contas por não ter telefone nem internet... Deu! Mas agora vou à fazenda de dois ou de três em três dias e fico lá nos finais de semana...)

Mas esta etapa está se concretizando. É complicado porque cada tipo de arroz tem que ter uma embalagem diferente pois as informações do Ministério têm de ser impressas, não podendo ser carimbadas... e as fábricas de embalagem só vendem quantidades monstras de sacos impresssos. Isso significa que um produtor precisa investir NO MÏNIMO 5 mil reais por TIPO de arroz antes de colocá-lo no mercado! Já imaginou quantos espíritos empreendedores não ficam caídos pelo caminho diante dese mercado construído para os grandes?